Meghie Rodrigues: a voz do jornalismo científico brasileiro no debate global sobre clima e meio ambiente
- SENSU
- 27 de ago.
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Meghie Rodrigues, jornalista especializada em saúde e meio ambiente, construiu uma carreira marcada pelo rigor investigativo e pela conexão entre pautas locais e repercussão internacional. Soma publicações em veículos de prestígio e em revistas científicas de alto impacto, como Nature e Science, além de integrar projetos relevantes de divulgação científica, como o podcast Ciência Suja e a newsletter Polígono. Sua trajetória se dedica a abordar temas complexos e urgentes, muitas vezes invisibilizados pela sociedade.

Nesta entrevista exclusiva à SENSU Consultoria de Comunicação, Meghie analisa o papel do Brasil na agenda ambiental global, discute os desafios do jornalismo científico no país, compartilha experiências investigativas e dá orientações a jovens jornalistas interessados em ciência e meio ambiente. Ao longo do bate-papo, reforça a importância do estudo contínuo, da especialização e da atuação ética para construir uma imprensa comprometida com informação de qualidade.
SENSU – Quando você olha para o Brasil, cheio de desafios estruturais, o que mais chama sua atenção como pauta capaz de gerar interesse internacional?
Meghie Rodrigues – Eu diria que é a COP. O mundo inteiro está de olho, mas a discussão precisa ir além da questão de acomodações, da capacidade da cidade de receber todos e dos preços. É fundamental falar sobre as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) dos países. O embaixador Corrêa do Lago, em sua sexta carta à comissão organizadora da COP, alertou que muitos países ainda não enviaram suas NDCs, e que o Brasil vai cobrar a entrega. Precisamos discutir quem enviou, quem não enviou, o que cada NDC inclui e se elas estão mais ou menos ambiciosas do que há cinco anos.
Também é necessário falar das contradições do Brasil, que chega à COP querendo abrir a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, enquanto deveria estar reduzindo o consumo e a produção de combustíveis fósseis. Estamos tentando “mostrar força”, mas não fazemos o dever de casa. Como vamos reduzir nossas emissões em 47% até 2030 se expandirmos a exploração de petróleo? Não temos nenhuma tecnologia de captura de carbono — e mesmo que tivéssemos, seria insuficiente para equilibrar essa conta. Como nossas emissões são majoritariamente causadas pelo desmatamento, é indispensável discutir políticas de combate a esse problema. Precisamos avaliar se o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) está funcionando. Esse é o tipo de pauta que chama atenção internacionalmente e que deveria estar no centro do debate.
O Brasil tem a Amazônia como cartão de visitas para o mundo. Na sua visão, o que ainda falta para que o país lidere de fato o debate climático e ambiental? E qual é o papel da imprensa nesse processo?
O Brasil precisa cumprir o que prometeu no Acordo de Paris: reduzir o desmatamento e coibir crimes ambientais, uma “receita simples”, mas que exige ação. É preciso fortalecer a legislação ambiental. O PL do licenciamento ambiental em debate no Congresso é um retrocesso, porque permite o autolicenciamento de empresas e desmatadores, abrindo caminho para abusos. Se aprovado, reforça que estamos indo na contramão do que precisamos fazer.
Também é urgente reforçar o IBAMA, estruturar brigadas de incêndio e dar condições adequadas para os órgãos de fiscalização. Só de controlar o desmatamento ilegal — responsável por cerca de 90% da devastação — já resolveríamos mais da metade do problema. Além disso, é essencial fiscalizar empresas que dizem adotar práticas responsáveis, mas não cumprem, e avaliar com rigor mecanismos como os créditos de carbono. Há muito a ser feito, mas o essencial é combater o desmatamento ilegal, principalmente na Amazônia. E a imprensa tem papel crucial em fiscalizar e cobrar: verificar se empresas e governos realmente cumprem o que prometem ou se estão enganando a sociedade.
Muitos jornalistas sonham em publicar em veículos de grande prestígio. Você foi além e publicou matérias em revistas científicas de alto impacto. Como foi o seu caminho até conquistar espaço em revistas como a Nature e a Science? Qual é a estratégia necessária para abordar os editores de forma assertiva?
O meu caminho foi muito longo, difícil e cansativo. Muitos colegas que escrevem para revistas como Nature ou Science estudaram fora, fizeram mestrado em science writing ou participaram de bolsas prestigiadas. Eu não tive nada disso, então precisei construir meu percurso de outra forma. O que me ajudou no início foi o inglês. Dei aula durante anos, inclusive para quem fazia TOEFL e Cambridge, então sabia que tinha nível avançado.
Depois da faculdade de jornalismo, ainda não me sentia pronta e cursei dois anos de Ciências Sociais, seguidos de um mestrado em divulgação científica. Esse mestrado foi essencial para abrir minha cabeça para como a ciência funciona e me deu ferramentas para pensar e escrever sobre ela em outro nível. Mesmo assim, viver de jornalismo foi complicado. Não estando em São Paulo ou no Rio de Janeiro, era muito difícil furar a bolha. Trabalhei no Museu do Amanhã, onde me aprofundei em mudanças climáticas, li muito, conversei com cientistas e participei de exposições. Ao mesmo tempo, comecei a frilar para veículos internacionais em inglês, já que aqui não encontrava tanto espaço.
Esses trabalhos foram formando meu portfólio e me conectaram a outros jornalistas da América Latina. Foi por meio desses contatos, e da bagagem que eu já tinha, que entrei na Nature. Desde 2020 escrevo para eles como correspondente, sempre de forma muito séria e sólida. Mas foi um caminho cheio de pedras, nada curto. Quanto à estratégia para abordar editores, não tem muito segredo. É parecido com o que fazemos no Brasil: o editor precisa confiar que você vai entregar. Acho que consegui mostrar isso ao longo do tempo, e foi assim que as portas se abriram.
Você integra o projeto Ciência Suja, um dos podcasts de ciência mais relevantes do país. O que mais te marcou nessa experiência investigativa?
Antes de tudo, eu preciso dizer que é um privilégio integrar a equipe do Ciência Suja. São profissionais extremamente competentes, pessoas incríveis, e isso se reflete na qualidade do podcast. O alcance que temos hoje não é surpresa, porque realmente é um trabalho impecável. Eu me sinto muito feliz e lisonjeada de fazer parte desse time. Entre todas as experiências, a mais marcante foi a apuração sobre o terrorismo de barragens em Minas Gerais, que realizei junto com o Pedro Belo. Eu sou de Belo Horizonte, mas mesmo tendo nascido e vivido ali por muitos anos, não tinha noção da dimensão desse problema. Estar nas cidades próximas, conversar com moradores e ver de perto o medo constante em que eles vivem foi um choque para mim. É muito forte perceber que as pessoas não sabem se, caso a sirene toque, terão tempo de correr para um ponto seguro. Que muitas famílias não podem fazer planos, porque podem ser obrigadas a deixar suas casas a qualquer momento. E que toda a rotina delas de escola dos filhos, trabalho e futuro, fica submetida a um risco que não foi causado por elas. Essa experiência me marcou profundamente, porque mostra como um problema tão grave pode parecer distante, até mesmo para quem mora em Belo Horizonte. Foi algo que me fez refletir muito sobre a forma como essas histórias são contadas e sobre o impacto real que têm na vida das pessoas.
A Polígono, newsletter de divulgação científica que você edita junto com Chloé Pinheiro, tem se tornado referência. Como é o processo de produção, curadoria de conteúdos e sinergia entre vocês?
É ótimo trabalhar com a Chloé. Temos uma sinergia muito grande. Brincamos que vamos “dominar o jornalismo de ciência no Brasil”, porque já colaboramos em mais de um projeto. Ela é uma profissional competentíssima, com uma capacidade de trabalho impressionante. Na Polígono, o foco desde o início foi mapear as discussões sobre ciência que circulam nas redes sociais e que, muitas vezes, acabam virando pauta na mídia. Nosso trabalho é observar o que está gerando debate, engajamento, comentários, mas também olhar para temas relevantes que não estão bombando online, como uma nova vacina ou um estudo publicado em Nature ou Science. A curadoria funciona nesse equilíbrio: temas importantes que merecem atenção jornalística e debates que ganham força nas redes. Nessa hora, entra o nosso faro de jornalista para diferenciar o que tem base sólida do que é só ruído. Acompanhamos o que influenciadores sérios e canais confiáveis estão discutindo, mas não nos guiamos apenas por números. Um vídeo pode ter milhões de views e ser teoria da conspiração. Isso não entra. Nosso critério é sempre qualidade e credibilidade.
Além de repórter, você já atuou como professora convidada na PUC Minas. O que essa experiência no ensino trouxe para a sua carreira?
Foi um privilégio receber esse convite de professores muito queridos que tive na faculdade, o Léo Cunha e a Lorena Tárcia. Foi muito interessante, porque foi um curso curto e fazia tempo que eu não voltava à docência. A aula no ensino superior e online é bem diferente. Foi uma experiência muito legal, que me deu um gostinho de poder trocar e aprender com os alunos da pós-graduação. Para preparar as aulas, precisei atualizar conhecimentos, pesquisar, articular ideias e colocar em palavras coisas que a gente sabe tacitamente. Conversamos bastante sobre jornalismo de soluções e foi uma lufada de ar fresco fazer algo diferente da lida diária do jornalismo. Além disso, trocar com gente mais nova sempre nos ensina muito. Foi uma experiência muito bacana.
A COP30, em 2025 no Pará, será o maior evento da ONU no Brasil. Quais suas expectativas e que legado essa conferência pode deixar para o país e para o jornalismo climático?
Sou muito otimista e tenho grandes expectativas. Desde o início do ano, surgiram muitos cursos sobre como cobrir a COP, o que esperar dela e como abordar temas de clima. Vejo um movimento grande de preparação dos colegas. Eu mesma estou fazendo cursos para chegar mais preparada. Essa multiplicação de formações em clima, meio ambiente e economia do clima é muito importante. São ferramentas que não vamos usar só durante a COP, mas que ficarão como legado para muito além do evento. Essa busca por qualificação é extremamente positiva e vai beneficiar a cobertura de ciência, meio ambiente e clima por muito tempo.
Você participa da RedeComCiência. Qual é a importância dessa rede para fortalecer o jornalismo científico no Brasil?
Sou suspeita de falar, porque estive no grupo que fundou a RedeComCiência junto com o Moura Leite Netto. Sonhamos essa rede e ver os voos que ela está dando hoje é uma satisfação enorme. A Rede tem papel fundamental porque a ciência sempre foi uma editoria escanteada nas redações. Ter uma associação que traz luz para a cobertura científica, promove capacitação, debate crítico e troca entre jornalistas e divulgadores é muito importante. Isso ajuda a mostrar que ciência não é assunto de nicho: atravessa política, economia e tantas outras áreas. Dá muito orgulho ver a rede andando sozinha e fazendo esse trabalho de formiguinha. Nada se constrói da noite para o dia, então tem sido muito legal acompanhar essa trajetória.
Atuando como freelancer em diferentes frentes, do clima à astronomia, como você organiza seu trabalho e escolhe os projetos em que vai se envolver?
Uma das vantagens de ser freelancer é poder escolher os projetos em que vou me envolver, mesmo que isso venha com a instabilidade de não ter CLT. Na hora de escolher pautas, priorizo áreas que domino melhor, como clima, meio ambiente e política científica. Ciência não é um bloco único: cada área exige especialização. Por exemplo, não tenho a mesma expertise que o Moura tem em oncologia, então não cubro saúde da mesma forma que ele. Dentro das áreas que domino, busco temas de relevância e repercussão, especialmente para mídias internacionais, já que escrevo muito para veículos fora do Brasil. Procuro sempre inserir o Brasil em um contexto mais amplo, analisando como nossas decisões se conectam ao cenário global. Debates sobre licenciamento ambiental ou mudanças climáticas aqui podem ter impacto em negociações internacionais, acordos de clima e políticas energéticas em outros países. Essa abordagem me permite equilibrar o que sei bem com o que é relevante globalmente. Tento sempre inserir o Brasil nesse cenário internacional.
Qual conselho você daria a jovens jornalistas brasileiros que desejam se destacar na cobertura de ciência e meio ambiente?
Eu diria: estudem, estudem, estudem! Leiam o máximo que puderem. Se tiverem oportunidade de fazer mestrado ou especialização em jornalismo científico ou comunicação da ciência, façam. Existem ótimos cursos, como os da Fiocruz, UFMG e LabJor/Unicamp. É um aprendizado que pode levar anos, mas que se concentra em um ou dois. Se não for possível, aproveitem iniciativas como a RedeComCiência, que oferece capacitações, palestras e cursos, além da chance de trocar experiências com colegas mais experientes. Aprender com quem já tem estrada ajuda a encurtar o caminho. Também é essencial mergulhar nos assuntos que mais interessam, sempre com atenção à qualidade das fontes. Livros de autores reconhecidos, cursos de universidades sérias e indicações de colegas experientes ajudam a filtrar o que realmente vale a pena. O conselho é: busquem conhecimento, pratiquem e aproveitem o aprendizado coletivo da comunidade científica e jornalística. Mergulhem nos temas, absorvam tudo o que puderem e valorizem a troca com colegas mais experientes, que podem orientar sobre quais caminhos valem mais a pena.
Texto de Melina Ferrazzo
Edição de Moura Leite Netto








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