Da pesquisa à popularização: cientistas que se comunicam com a sociedade
- SENSU
- há 3 dias
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Paulo Henrique Braz da Silva, Professor Associado da pós-graduação da Faculdade de Odontologia da USP (FOUSP), tem se dedicado a um tema cada vez mais urgente no meio acadêmico: a divulgação científica. Criador da disciplina “Divulgação dos Achados Científicos em Saúde: Popularização da Ciência como Estratégia de Disseminação de Conhecimentos Acadêmicos para o Público não Especializado”, ele vem incentivando pesquisadores das mais diversas áreas da saúde a romperem com os padrões tradicionais da comunicação científica e aproximarem seus estudos da sociedade.

Nesta entrevista exclusiva à SENSU Consultoria de Comunicação, Paulo Henrique relembra o início da parceria com a RedeComCiência para a realização da disciplina e analisa o impacto que a prática da divulgação científica tem provocado entre os alunos de pós-graduação, tanto na forma de comunicar, quanto no entendimento do próprio trabalho científico. Para ele, a ciência precisa ser compartilhada, compreendida e defendida e isso só é possível com comunicação qualificada.
SENSU - Você acumula as formações de Odontologia, mestrado em Patologia Bucal, além de doutorado e pós-doc, pesquisador e professor. Isso tudo ganha ainda mais sentido quando se agrega a divulgação científica?
Paulo Henrique Braz da Silva – Costumo dizer que praticar a divulgação científica melhora nossa capacidade, inclusive, de comunicar ciência entre os pares. Ela te faz atentar para o principal de seus achados e te coloca com mais clareza o que de fato é importante no seu trabalho científico.
Esses fatores motivaram você a ter o primeiro contato com a RedeComCiência? Como se deu isso?
Sempre me incomodava o fato de o Brasil ser um dos primeiros países no mundo em número de artigos publicados, assim como em qualidade de pesquisa em Odontologia e a sociedade não saber disso. Nossas faculdades de Odontologia - das três universidades estaduais paulistas - estão entre as primeiras do mundo, graças sobretudo à qualidade de suas pesquisas. Porém, a sociedade também não têm noção deste feito. Esse incômodo me levou a um questionamento: “se a sociedade não sabe disso, de quem é a"culpa ?”. A resposta me incomodou mais ainda, pois a resposta era clara. A vontade de fazer essa conversa com a sociedade existia, mas nós, como cientistas, precisaríamos entender e buscar as ferramentas. A parceria com o jornalismo e comunicação social era um ponto fundamental. Foi nessa perspectiva que, um dia lendo um artigo do Moura - então vice-presidente da RedeComCiência, publicado no Observatório da Imprensa - resolvi entrar em contato com ele para tentar estabelecer uma parceria. Esse primeiro contato foi via Messenger do Facebook mesmo. E, desse contato, nasceu o Workshop de divulgação científica na FOUSP.
O que mais chamou sua atenção no workshop a ponto de levá-lo a apresentar a ideia à diretoria da FOUSP, sugerindo que se tornasse uma disciplina?
O sucesso do workshop e o engajamento dos estudantes me chamaram muito a atenção. Foi um sábado inteiro de atividades e as produções dos participantes me impressionou. Aquilo foi uma evidência de que, conhecendo as ferramentas e sendo instigados, nós profissionais de saúde, cientistas, docentes, conseguimos fazer divulgação científica. Aquela experiência precisaria ser implementada de forma mais sistemática e veio daí a ideia de criar uma disciplina de pós-graduação. Trabalhamos um tempo no planejamento para transformar o workshop numa disciplina, que foi concebida entre dois programas de pós-graduação em Ciências Odontológicas, na FOUSP e na Universidade Federal do Paraná.
Qual é o perfil dos alunos que participam da disciplina?
As primeiras edições da disciplina eram compostas sobretudo por dentistas, estudantes de mestrado e doutorado dos programas de pós que conceberam a proposta. Ao longo das edições o perfil foi se modificando com estudantes de outras áreas da saúde, como medicina, enfermagem, fisioterapia, biomedicina, dentre outras. Outro fator bastante interessante é que a disciplina já foi concebida no formato digital, o que favorece a participação de estudantes de pós-graduação de programas de diferentes regiões do país.
Como a disciplina é dividida entre aulas teóricas e práticas e o que você observa que os alunos aprendem sobre divulgação científica?
A disciplina tem uma carga teórica bastante importante, que possibilita que os estudantes conheçam as ferramentas e as linguagens próprias de divulgação científica. Nas atividades práticas os estudantes têm a oportunidade de experimentar diversas formas de divulgar o seu trabalho científico, no que parece uma mini agência de comunicação. Os resultados nos impressionam a cada ano com a qualidade do que esses estudantes conseguem apresentar em tão pouco tempo para elaboração.
Esse aprendizado é refletido na qualidade dos trabalhos apresentados? Os resultados são positivos com o “enxoval” de conteúdo que eles entregam? Caso sim, pode citar exemplos de temas que foram abordados e como foram desenvolvidos?
O mais lindo é que os estudantes, em pouco tempo, conseguem se libertar do formato da comunicação científica e constroem trabalhos maravilhosos de divulgação. A quebra dessa lógica é fundamental para o sucesso da disciplina. No início eles ficam um pouco assustados com o famoso “enxoval”, ou seja, a divulgação nas diferentes plataformas e formatos de seus trabalhos científicos (Instagram, Facebook, TikTok, podcasts). O queridinho de todos os formatos é sem dúvida o meme. Todo ano as produções nos surpreendem, na qualidade, na criatividade e também na diversidade de assuntos.
Quais são os próximos passos para essa disciplina?
Acho que a disciplina está bastante consolidada, fazendo parte inclusive do elenco de disciplinas fundamentais do programa de pós-graduação em Ciências Odontológicas da FOUSP. Um passo importante, no meu ponto de vista, seria a participação de estudantes de pós-graduação em jornalismo e comunicação social, por exemplo.
Na sua visão, a divulgação científica tende a se tornar cada vez mais presente na rotina dos pesquisadores? De que forma ela contribui para a formação desses profissionais e para a aproximação da sociedade com a ciência?
Dedicamos quase a integralidade de nosso tempo de formação nos preocupando em comunicação entre os pares, a publicação dos famosos “papers”. Produzimos ciência de qualidade, mas que precisa furar a bolha da universidade e dos institutos de pesquisa. A divulgação científica passa a ser fundamental, inclusive nos meios científicos. Agências de fomento passam a solicitar em seus projetos financiados a elaboração de estratégias de divulgação científica. Revistas científicas renomadas também já fazem a cobrança de outras estratégias de comunicação que não a forma tradicional do “paper” e sua divisão clássica entre introdução, materiais e métodos, resultados, discussão e conclusão. A pandemia da COVID-19 nos deixou escancarada a necessidade da divulgação científica, sobretudo quando necessitamos de apoio da sociedade contra governos negacionistas que atacam o método científico. Ninguém defende o que não conhece. Que a divulgação científica nos permita fazer o letramento científico da sociedade. A Ciência não pode ser monopólio dos cientistas e das universidades, ela precisa ser cada vez mais inclusiva e acessível.
A divulgação científica será, cada vez mais, indispensável?
Sim, e, felizmente, é um caminho sem volta. Assim como pensamos em como comunicar nossos achados, em que revistas vamos publicar nossos “papers”, cada vez mais se faz necessário o estabelecimento de estratégias de divulgação científica.
Texto de Melina Ferrazzo
Edição de Moura Leite Netto
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