SENSU na bancada do Roda Viva sobre o impacto dos ultraprocessados na saúde
- SENSU
- 22 de abr.
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Em episódio do Roda Viva, da TV Cultura, exibido no dia 21 de abril de 2025, a SENSU Consulltoria de Comunicação foi representada na bancada de entrevistadores por seu diretor, Moura Leite Netto, jornalista e doutor em Ciências. O convidado especial do programa é o médico epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, coordenador científico do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (NUPENS).
Carlos Augusto Monteiro nasceu em 8 de março de 1948 em São Paulo. É doutor em saúde pública pela USP, com pós-doutorado no Instituto de Nutrição Humana da Columbia University. Nos anos 1990, trabalhou na Unidade de Nutrição da Organização Mundial da Saúde e criou o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 2008 e, em 2025, entrou na lista dos 50 mais influentes do The Washington Post, por seu trabalho na classificação NOVA, que resultou na criação do termo "ultraprocessados” com estudo publicado em 2009.
Ao longo do programa, Moura Leite Netto fez quatro perguntas, que podem ser conferidas, na íntegra, abaixo:
Moura Leite Netto - Professor, boa noite. A sua atuação como pesquisador, iniciada na década de 1970, trazia linhas de pesquisa falando sobre a desnutrição. E a desnutrição continua sendo um grande problema. Hoje, estamos vivendo essa pandemia de obesidade. Queria entender essa questão de desnutrição e obesidade nesse universo do nosso tema de ultraprocessados. Desnutrição e obesidade, podem parecer conceitos diferentes, mas os ultraprocessados andam em ambos?
Carlos Augusto Monteiro - Então, a gente tem pouca evidência. Tem um evidência muito forte em relação às crianças, que é o leite materno, que é um alimento natural, não processado, e as fórmulas infantis, que são alimentos ultraprocessados. A superioridade do leite materno e os problemas ocasionados para as crianças, que infelizmente, por alguma razão, não possam ter acesso ao leite humano, as consequências são muito grandes.
- Como a morte prematura na primeira infância, por exemplo?
- Como morte, como diarreias, como desenvolvimento intelectual, quer dizer, isso é uma questão que a ciência já dá como consolidada. Agora, em relação à desnutrição, tem algumas evidências sobre crescimento retardado, crescimento linear das crianças, diminuído para aquelas crianças que têm uma proporção maior de consumo de ultraprocessados. Mas, se a gente comparar com as evidências em relação a doenças crônicas, realmente a gente está na infância desse tipo de pesquisa. Agora, é interessante que o nosso grupo, como você falou, durante cerca de 15 anos, nós nos concentramos em discutir determinantes da desnutrição na infância. E a gente aproveitou o know-how que a gente desenvolveu quando a gente começou a estudar a questão da obesidade, que tinha aumentado de importância tão grande no Brasil. E, na realidade, a estratégia que a gente usou para avançar o conhecimento nessa área de dietas e doenças crônicas, a gente aproveitou muito da nossa experiência. E a gente tinha identificado que a desnutrição na infância no Brasil estava muito associada à exclusão de uma parte importante da população do consumo, pela renda absolutamente insuficiente e pelo acesso a serviços públicos. Então, na realidade, a gente identificou esses fatores. Esses fatores foram mais facilmente resolvidos. A extensão de programas de saúde, saneamento, o SUS, o programa Bolsa Família, todas essas coisas foram muito importantes para diminuir a desnutrição na infância. Então, a gente aproveitou muito dessa experiência para identificar o que seria a falta de saneamento, a falta de assistência à saúde, a falta de renda no caso da obesidade. Aí a gente chegou nos ultraprocessados. Claro.
ULTRAPROCESSADOS X CÂNCER COLORRETAL
Moura Leite Netto - Dentre as mais de 30 doenças que vocês identificaram essa associação, fator causal com ultraprocessados, um deles é o câncer. E entre os cânceres a gente vê a questão do câncer colorretal (intestino grosso e reto). É o terceiro câncer mais comum no mundo: são 2 milhões de pessoas no mundo, 900 mil mortes, no Brasil são 45 mil casos, segundo a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (dado mundial) e o dado nacional é do Inca. Existe um consumo seguro em relação às carnes processadas que não aumenta, que não chega a ser um fator de risco de aumento de predisposição para esses casos de câncer colorretal?
Carlos Augusto Monteiro - Então, é verdade, a relação, não só com câncer, mas você tem doença de Crohn, por exemplo, que é uma inflamação do intestino, que também é muito claramente associado ao consumo de ultraprocessados. E isso parece ter a ver com a mudança do microbioma, porque os aditivos que caracterizam os ultraprocessados, os emulsificantes, por exemplo, que são essenciais, você tem quase todo ultraprocessado, tem emulsificante, porque como eles são formulações de substâncias alimentícias, eles não têm textura, você precisa do aditivo para juntar aquilo e virar alguma coisa palatável. Esses emulsificantes modificam não só a parede intestinal, mas também o tipo de bactéria que você tem, os micro-organismos que a gente tem no intestino. Então, aparentemente essa é uma característica. Você vai criando um microbioma inflamatório e esse microbioma inflamatório vai trazer várias consequências negativas. Então, não é uma coincidência que o intestino seja um dos órgãos mais afetados pelo consumo de ultraprocessados. Agora, você perguntou uma coisa interessante: tem um nível seguro para consumir? Nós estamos atrás disso há muito tempo, porque agora o que a gente vê em todos os estudos é que é uma relação linear, então você tem mais consumo, há mais risco. A gente não conseguiu identificar e talvez haja diferentes níveis para diferentes doenças. E uma outra coisa complicada é que a maior parte dos estudos sobre ultraprocessados e doenças crônicas não é feita no Brasil. A maior parte é feita nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Europa, e nesses países o consumo de ultraprocessados já é muito grande. Então, os estudos observacionais, eles não têm pessoas que realmente consomem pouco. Você já começa com 30%. Agora, no Brasil, a gente começou um estudo chamado NutriNet Brasil exatamente com esse objetivo, porque no Brasil nós temos um consumo muito menor de alimentos ultraprocessados e a gente vai ter chance de identificar talvez esse nível seguro a partir dessa casuística no Brasil. Nós estamos acompanhando 100 mil pessoas no Brasil. Já tem um estudo, por exemplo, sobre ultraprocessados e depressão e vamos ter vários estudos aí no futuro.
COMO PARTICIPAR DO ESTUDO NUTRINET BRASIL?
Moura Leite Netto - Professor, em determinado momento aqui do programa, você citou o estudo Nutrinet Brasil. Nós sabemos que na pesquisa clínica, recrutamento de pacientes é sempre um grande desafio, mas vocês conseguiram, no seu grupo, 113 mil participantes. Como que isso foi possível? E quando as pessoas se inscrevem, participam desse estudo, que tipo de informações elas deixam ali, sobre os hábitos alimentares, dentro do sistema alimentar e que linhas de pesquisa isso possibilita?
Carlos Augusto Monteiro - Então, na realidade, o nosso grupo na USP tem uma característica, que é a inovação. Então, a gente criou, por exemplo, o sistema VIGITEL, que é hoje um sistema que informa, de custo muito baixo, que informa o Brasil sobre não só a questão da alimentação e nutrição, mas sobre tabaco, álcool, vários fatores de risco para doença crônica. a outra inovação que a gente fez foi o Nutrinet Brasil, porque esses estudos que relacionam a alimentação com doenças crônicas, você precisa acompanhar as pessoas por muito tempo. Não adianta você acompanhar as pessoas por seis meses. Você precisa acompanhar por dez anos, como o Nutrinet Brasil quer fazer. E algumas doenças são raras, por exemplo, a doença de Crohn, não tem uma frequência tão grande. Se você estudar só mil, duas mil pessoas, você pode correr o risco de não ter nenhuma pessoa com a doença. Então, para isso, a gente precisa ter um tempo de seguimento grande e muitas pessoas, tipo 100 mil ou mais é o ideal. E como é que a gente fez isso? Na realidade, a gente adaptou um desenho na França, tem o Nutrinet Santé na França, que faz uma coisa parecida. Nós tínhamos já uma relação com esse grupo e aí a gente adaptou o protocolo deles aqui. Basicamente, quem foi muito importante para a gente foram os meios de comunicação. A gente conseguiu, quando lançou o projeto, a gente conseguiu uma cobertura das televisões abertas, dos canais fechados. Então, nós tivemos, logo no início, 30 mil pessoas em dois dias, eles entraram lá. Agora, outra forma interessante, que é o que hoje faz a nossa casuística aumentar, são as redes sociais dos influenciadores. Então, a gente tem contatos com influenciadores.
- Com Rita Lobo, por exemplo?
- Bom, a Rita Lobo, por exemplo, é a nossa grande embaixadora. Na realidade, a gente conseguiu cinco embaixadores no começo, a Bela Gil, a Rita Lobo, o Duvivier, o Bial, enfim, eles nos ajudaram nessa divulgação. Mas hoje, a gente tem uma equipe de comunicação que cuida disso. Então, a gente identifica esportes, cultura, várias áreas e aí esses influenciadores nos ajudam nesse processo. E para entrar no Nutrinet Brasil é muito simples. Qualquer buscador coloca no Nutrinet Brasil, você já está dentro do estudo. E aí você responde aos questionários.
MENOS MICRO-ONDAS E FRITADEIRA ELÉTRICA E MAIS FOGÃO
Moura Leite Netto - Professor, esses alimentos que as pessoas têm em casa, é importante que esses alimentos sejam então cada vez menos alimentos que vão para o micro-ondas e fritadeira elétrica e que vão mais para o fogão. Como é que essa cultura de cozinhar em casa pode ser colocada nas famílias? Hoje em dia as pessoas mal jantam juntos, se alimentam juntas, como é que essa cultura pode voltar?
Carlos Augusto Monteiro - Eu pessoalmente não acredito que seja possível resolver a epidemia de obesidade se as pessoas continuarem consumindo alimentos prontos para consumo, que não vão no fogão. Porque quando você leva um alimento para o fogão, por exemplo, arroz, feijão, só para dar um exemplo, você cozinha esse grão. Ele vai absorver três vezes a água em relação a isso, ele vai crescer de volume e isso dá saciedade. Aí quando você consome alguma coisa pronta para consumo, em geral, se é sólido não tem água, não tem fibra, então você precisa...
- (Vera Magalhães) - tem essa coisa de que se você está com pressa, você não está com atenção ao ato de comer e isso também te tira a autorregulação...
- Exato, e você come muito rápido, porque o ultraprocessado, uma característica dele, é que ele é uma bomba calórica. Como ele não tem fibra e não tem água, o volume dele é pura caloria e as pessoas consomem muito em função do volume. Você olha o prato ali, você fala, bom, isso aqui para mim vai satisfazer, se for comida de verdade. Agora, se aquilo for um alimento pronto para consumo, em geral, ele tem uma densidade de energia que a gente fala de 3, 4 quilocalorias por grama, o arroz e o feijão têm 1.4. Então na verdade, cozinhar é fundamental. Aí você tem uma questão de mudança, estilo de vida, as pessoas, por exemplo, trabalham longe de casa, então elas precisam comer na rua. Agora, aqui, por exemplo, eu costumo dar muito esse exemplo, perto da faculdade, a gente tem um McDonald's e tem mais de 100 restaurantes que servem comida por quilo, e as pessoas, a maioria das pessoas, você vê nesses restaurantes. Então, isso foi uma coisa interessante, porque não foi uma política pública. Isso foi uma saída do próprio mercado, que as pessoas gostam de comer comida de verdade, então vamos fazer uma coisa rápida, que não seja muito cara, a gente precisa ter mais políticas públicas, ter os restaurantes populares, por exemplo, que é uma outra iniciativa interessante. Ou seja, a ideia não é voltar para trás, não é a pessoa dizer, vou trabalhar agora pertinho da minha casa e eu vou cozinhar, eu vou plantar a minha mandioca, não é nada disso. A gente não quer, não faz nenhum sentido, mas você tem que ter políticas públicas que ajudem nessa transição. Ou seja, que você mantenha a cultura de comer comida de verdade, mas que isso seja viável.
A bancada de entrevistadores foi formada também por Mariana Varella, editora-chefe do portal Drauzio e mestre em Ciência pela Faculdade de Saúde Pública da USP; Claudia Collucci, repórter especial de Saúde da Folha de S. Paulo; Sabine Righetti, pesquisadora do Labjor-Unicamp e fundadora da Agência Bori e Angélica Santa Cruz, repórter da revista Piauí. A apresentadora é da jornalista Vera Magalhães e há ainda a participação do cartunista Luciano Veronezi.
Confira o programa completo:
PARTICIPAÇÕES ANTERIORES DA SENSU NO RODA VIVA
O jornalista e diretor da SENSU, Moura Leite Netto, participou da bancada de entrevistadores do Roda Viva em outras duas oportunidades. A primeira delas foi em 24 de agosto de 2020, que teve como convidado no centro o médico oncologista indiano Siddhartha Mukherjee. Formado em biologia pela Universidade de Stanford; em imunologia por Oxford e em medicina por Harvard, Siddhartha Mukherjee é autor de “O Imperador de Todos os Males - Uma Biografia do Câncer” e “O Gene – Uma História Íntima” .
A segunda participação ocorreu no dia 28 de agosto de 2023. O programa recebeu como convidado o reitor da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Gilberto Carlotti Junior. Em 2023, a USP entrou para a lista das 100 melhores universidades do mundo pela QS World University Ranking. É a primeira vez que uma instituição brasileira consegue estar nessa posição. Por outro lado, 11 disciplinas previstas na grade do curso de Artes Visuais foram canceladas no segundo semestre de 2023, devido à falta de professores. O Roda Viva, entre outros assuntos, debateu sobre os desafios para manter o ensino público de qualidade.
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