SENSU CAST 41 – Dor não é normal: vamos falar sobre endometriose
- SENSU
- 28 de nov.
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A dor feminina historicamente banalizada, o atraso no diagnóstico e a importância da comunicação qualificada para romper silêncios estruturais estiveram no centro do episódio 41 do SENSU CAST, podcast da SENSU Comunicação. Com o título Dor não é normal: vamos falar sobre endometriose, o episódio foi apresentado pelo jornalista e doutor em Ciências Moura Leite Netto, diretor da SENSU e reuniu dois convidados que unem medicina e jornalismo para dar visibilidade a uma doença crônica que afeta milhões de mulheres.

A endometriose compromete cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva no mundo, aproximadamente 190 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde. Dor menstrual intensa, dor pélvica persistente, infertilidade, impactos na vida sexual, no funcionamento intestinal e urinário e repercussões importantes na saúde mental fazem parte do quadro clínico. Ainda assim, para muitas mulheres, esses sintomas seguem sendo tratados como algo “normal”, sobretudo quando associados ao ciclo menstrual. É justamente essa naturalização da dor que o episódio propõe questionar.
Para aprofundar o tema, o SENSU CAST recebeu Rubens Paulo Gonçalves Filho, ginecologista e obstetra, mestre em Ciências da Saúde, doutorando pela Faculdade de Medicina do ABC, com MBA em Gestão em Saúde, e Cristiane Segatto, jornalista especializada em saúde, mestre em Gestão da Saúde pela FGV e autora de reportagens premiadas no jornalismo brasileiro. Juntos, eles assinam o livro Dores Femininas – A jornada humana de um médico contra a endometriose, que articula ciência, prática clínica e histórias reais de pacientes.
Rubens chamou a atenção para o peso cultural que historicamente recai sobre o corpo feminino e para como isso atravessa a prática médica e a própria percepção das mulheres sobre o sofrimento que vivenciam. “Como a dor relacionada à menstruação sempre foi tida como algo normal, gerações de mulheres ouviram que era assim mesmo, que tinham de conviver com isso em silêncio”. Segundo ele, embora a sociedade esteja lentamente mais aberta a discutir temas antes tratados como tabu, o ambiente profissional e familiar ainda carrega marcas profundas de machismo e incompreensão.
O médico ressaltou que a consulta ginecológica precisa começar pela escuta e pelo exame clínico adequado, algo cada vez mais raro em um sistema marcado por atendimentos rápidos e foco excessivo em pedidos de exames. “Se eu falar para vocês a quantidade de mulheres que eu atendi ao longo da minha carreira que jamais tinham sido examinadas por um médico, vocês não vão acreditar”. Ele alertou que consultas de poucos minutos inviabilizam uma anamnese adequada e comprometem o diagnóstico precoce, especialmente em uma condição que exige atenção aos detalhes e aos relatos da paciente.
A normalização da dor volta a aparecer como um dos principais obstáculos ao cuidado. “Quando uma mulher chega ao consultório se queixando de dor, o médico precisa entender que ela já sofreu muito antes de procurar ajuda”, afirmou Rubens, explicando que muitas pacientes só buscam atendimento quando a dor se torna incapacitante, após meses ou anos de tentativas de lidar sozinhas com o sofrimento. Para ele, alinhar a percepção da intensidade da dor entre médica ou médico e paciente é fundamental para não subestimar o impacto da doença na qualidade de vida.
Cristiane Segatto destacou que o livro e a conversa no podcast evidenciam o valor da escuta como eixo central do cuidado. “A mulher precisa ser ouvida e precisa ser vista. Se o que ela diz não é levado em consideração, nada pode dar certo dali em diante”. A jornalista observa que, muitas vezes, as pacientes chegam às consultas com anotações, exames organizados e uma narrativa mentalmente estruturada, na tentativa de não esquecer informações importantes, um esforço que deveria ser acolhido e não desqualificado.
Outro ponto sensível discutido no episódio foi a relação entre endometriose e infertilidade. Cerca de metade das mulheres com a doença enfrenta dificuldade para engravidar, e em clínicas de reprodução assistida a endometriose aparece como uma das principais causas de infertilidade conjugal. Rubens defendeu uma abordagem cuidadosa e responsável ao comunicar esse dado. “Quando você dá um diagnóstico e explica o que está acontecendo, muitas mulheres dizem que, apesar do susto, sentem alívio por finalmente entender o que têm e quais são os próximos passos”. Ele reforçou que a infertilidade não deve ser tratada como um problema exclusivo da mulher, mas do casal, evitando a sobrecarga emocional e a culpabilização.
Os relatos de pacientes presentes no livro foram outro eixo central da conversa. Sete mulheres aceitaram compartilhar suas trajetórias, marcadas por dor, abandono afetivo, prejuízos na vida profissional e impactos emocionais profundos. Cristiane explicou a opção editorial por não divulgar os nomes completos, em respeito à legislação de proteção de dados e às normas éticas médicas. Ainda assim, ressaltou a força desses depoimentos. “São histórias absolutamente reais e mostram que a endometriose vai muito além da dor física”.
Entre os relatos que mais a impactaram, a jornalista destacou o de uma mulher que começou a apresentar sintomas aos nove anos de idade. “Uma criança perceber que o universo dela é o entorno da cama, porque quando a dor chega ela não consegue se movimentar, é algo muito chocante”. O caso ilustra como a doença pode se manifestar precocemente e como a falta de reconhecimento do sofrimento na adolescência contribui para anos de atraso no diagnóstico.
A conversa também abordou as limitações dos tratamentos disponíveis. Embora medicamentos hormonais e cirurgias possam melhorar significativamente a qualidade de vida, não existe cura para a endometriose, e a possibilidade de recidiva é real. Rubens alertou para o risco de medicalização ou intervenção cirúrgica inadequada. “Se o médico achar que vai curar todas as pacientes com cirurgia, vai acabar submetendo mulheres a procedimentos desnecessários”. Para ele, a abordagem exige conhecimento clínico, reprodutivo e cirúrgico integrados.
No campo da comunicação, Cristiane fez uma análise crítica da cobertura jornalística sobre endometriose e saúde da mulher. “A frequência com que esse tema aparece na imprensa ainda é muito aquém da necessidade, considerando que 10% das mulheres convivem com essa doença”. Ela reconheceu as dificuldades estruturais enfrentadas pelas redações, mas defendeu que informar com responsabilidade e profundidade é essencial para combater desinformação e estigmas, especialmente em um cenário dominado por redes sociais e influenciadores.
Ao longo do episódio, ficou evidente que falar sobre endometriose é falar sobre gênero, escuta, ciência, ética e comunicação. Romper com a ideia de que dor é parte inevitável da condição feminina é um passo essencial para melhorar o cuidado, reduzir atrasos diagnósticos e ampliar a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sua saúde.
O SENSU CAST está disponível nas principais plataformas de áudio e no YouTube. Produzido pela SENSU Comunicação em parceria com o Estúdio Banca Podcast, o programa traz, a cada episódio, conversas sobre comunicação voltada para a saúde, ciência e educação.
Ouça, compartilhe e participe da conversa.
Ficha técnica
Produção: SENSU Consultoria de Comunicação e Banca de Conteúdo
Roteiro e apresentação: Moura Leite Netto
Edição: J. Benê
Direção: Luciana Oncken







